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Thales, um dos maiores players do setor ferroviário.

 

Em entrevista à revista País Positivo do Semanário SOL, João Salgueiro, Director de Marketing, Comunicação, Inovação e Desenvolvimento de Produto, da Thales Portugal, falou sobre os importantes passos na industria ferroviária, que se vivem no ano em que se comemora o Ano Europeu do Transporte Ferroviário.

 

 

 

De forma a contextualizar o leitor, como atua a Thales no mercado nacional?

No mercado nacional o Grupo Thales está presente através de 2 entidades, a Thales Portugal e a Edisoft.
A Thales Portugal desenvolve actividades nos sectores ferroviário e da mobilidade, enquanto a Edisoft desenvolve actividades nos sectores da Defesa, em particular no sector Naval, no Espaço e no sector da Aeronáutica.
A Thales Portugal tem as suas origens na equipa de Transportes da Alcatel Portugal, equipa esta que se autonomizou pela operação de transferência de todas as actividades de Transportes, Defesa e Espaço do Grupo Alcatel para o Grupo Thales, que decorreu a nível mundial em 2007.
Neste contexto, a actual equipa Thales tem desenvolvido desde os fins da década de 80 do século passado, um relevante papel na transformação do sector ferroviário Nacional, que lhe permitiu desde o ano 2000 iniciar actividades de exportação de soluções Integradas de Comunicações Ferroviárias e de Sinalização Ferroviária.
A Edisoft teve a sua origem em 1988 no âmbito do programa de aquisição das Fragatas Meko, que integravam equipamentos de Gestão de Combate da Thales (na altura com outra designação), pela imposição do Governo da altura na criação local de um polo de competências que permitisse o suporte à manutenção e desenvolvimento
dos sistemas que integravam as referidas Fragatas. Ambas as empresas têm desenvolvido ao longo dos anos fortes competência locais, pelo que o Grupo Thales possui hoje em Portugal 2 centros de Competência que usa também nas suas actividades a nível global.

A I&D é fundamental para assegurar um fluxo contínuo de ideias e novos produtos que mantenham o Grupo na liderança tecnológica e permitam empurrar as tendências tecnológicas e de mercado.

Quais as áreas em que desenvolvem soluções?

Além das competências genéricas já acima indicadas que permitem a ambas as entidades desenvolveram e implementarem soluções integradas nos domínios referidos, são efectivamente desenvolvidos em Portugal, no seio da Thales Portugal e da Edisoft produtos que integram o portfolio do grupo Thales.

Assim, a Thales Portugal é o Centro de Desenvolvimento para as soluções de Informação e Conforto ao Passageiro bem como da Plataforma de Mobilidade.
Já a Edisoft desenvolveu o RTEMS, Sistema Operativo para satélites e é responsável pelo Desenvolvimento do Produto Top-Sky Tower, um dos componentes chave das soluções de ATM – Gestão de Tráfego Aeronáutico.

Em relação à mobilidade, nomeadamente da ferrovia, quais são as soluções desenvolvidas pela empresa que visa à modernização deste setor de transporte?

Relativamente à ferrovia, o Grupo Thales é um dos maiores players globais nos sistemas de controlo da circulação e nos sistemas integrados de comunicações para comboios, metros, LRT’s, enfim, tudo o que ande sobre carris.
Quando falamos em sistemas de controlo de circulação, estamos a referir-nos a todos os equipamentos utilizados para gerir em total segurança a circulação dos comboios. Assim, o grupo Thales desenvolve a fabrica todos os componentes para a operação e gestão integral de uma rede ferroviária.
O Grupo Thales tem no seu portfolio a gama completa de soluções, que vão desde os sistemas para a detecção da localização dos comboios, aos sistemas para o seu encaminhamento por actuação sobre as agulhas, aos sistemas para o estabelecimentos dos itinerários e informação das autorizações de movimento aos maquinistas, aos sistemas de protecção que evitam a má operação dos maquinistas ou qualquer operador ferroviário no sentido de evitar os acidentes (ATP – Automatic Train Protection), aos sistemas informáticos que gerem toda a informação relativa às missões e efectuar e à localização dos comboios, dando para o terreno as informações e comando que permitem que os comboios cumpram as suas viagens em tempo e com toda a segurança, aos sistemas de comando que  supervisionam toda uma rede, optimizam as circulações e gerem conflitos até aos sistemas que asseguram a interoperabilidade entre redes diferentes, permitindo um comboio sem fronteiras.
Todos estes equipamentos são designados de segurança intrínseca, o que numa linguagem mais simples e coloquial poderíamos dizer que não podem falhar ou dar informações erradas nunca. Para tal, são desenhados e integrados de modo a que qualquer falha seja sempre detectadas permitindo a implementação de mecanismos de protecção que assegurem que vidas não sejam colocadas em risco.
Quanto aos sistemas integrados de comunicações ferroviárias, tal como já referido, a Thales em Portugal é um dos principais Centros de Competência do Grupo.
Adicionalmente aos sistemas de controlo de circulação acima referidos, a modernização de uma linha ou de uma rede ferroviária requer uma profunda intervenção ao nível dos sistemas de comunicações e de controlo, configurando normalmente uma intervenção multidisciplinar sobre uma grande quantidade de sub-sistemas, muitos
que a Thales possui no seu portfolio, outros não.
Assim, a Thales em Portugal, desenvolveu particulares capacidades na integração de soluções multidisciplinares, multiserviços e multivendor, no sentido de se apresentar como arquitecto e fornecedor de pacotes turn-key para todas as necessidades de comunicações. Deste conjunto vasto de sistemas, a Thales possui no seu portfolio soluções para os Centros de Controlo Centralizado onde se integram as ferramentas de Gestão de Circulação com os restantes sistemas de comunicações, Sistemas de Informação ao Passageiro, sonorização e entretenimento nas estações e a bordo, sistemas de videovigilância e análise automática de imagem e incidentes, sistemas de supervisão remota – SCADA, sistemas de gestão de energia e controlo de tracção para optimização de consumos de combustível ou de energia nos comboios, entre outros.
A este vasto portfolio, as equipas de integração de sistemas da Thales integram sub-sistemas de 3ªs partes como sejam os sistemas de transmissão IP, sistemas de alimentação, sistemas telefónicos. Em termos do passageiro, poderemos dizer que com os sistemas de controlo de circulação garantimos uma rede ferroviária eficiente e segura enquanto como os sistemas de comunicações, sobretudo com os sistemas Thales de Informação, sonorização e entretenimento e com os sistemas de CCTV, asseguramos conforto, informação e garantia de segurança e protecção
ao passageiro, tornando o transporte ferroviário mais apetecível.

O grupo Thales desenvolve e fabrica todos os componentes para a operação e gestão integral de uma rede ferroviária.

Este ano, comemora-se o “Ano Europeu do Transporte Ferroviário", há um esforço comum para modernizar este meio de transporte, promovendo a sua sustentabilidade, Portugal inluindo.
Na sua opinião, qual será a área que mais se deve apostar?

Em nosso entendimento, a rede encontra-se num estado de maturidade e desenvolvimento bastante bom, havendo ainda algum trabalho para completar a modernização da rede (em curso desde o início dos anos 90 do século passado) que urgem fazer acontecer. Neste sentido a aposta deverá ser na continuação dos trabalhos de modernização da rede ferroviária e no avançar firme e definitivo no caminho para a Interoperabilidade, abrindo as portas a uma rede transfronteiriça e às vantagens dos sistemas normalizados e de standard europeu, suportado pelo desenvolvimento de competências locais.

Quais os grandes desafios que se colocam face ao mercado nacional e à modernização da via férrea e o que temos que ultrapassar?

O grande desafio que hoje se coloca aos players ferroviários, na nossa óptica de industriais do sector, é o Tempo.
Após um período fértil em investimentos no qual a rede ferroviária Portuguesa Portuguesa teve um grande desenvolv imento (1990-aprox. 2008), ultrapassando muitas das suas congéneres europeias, seguiu-se um longo período de total inatividade.
Durante a fase inicial de forte investimento o tecido empresarial Português desenvolveu fortes competências no  sector, foram criadas empresas, ganho conhecimento e capacitado muita força de trabalho.
No período que se seguiu, muito desse potencial perdeu-se, muitas empresas fecharam e só algumas, poucas, tiveram, tal como a Thales Portugal, a capacidade de manter as suas competências sustentadas por actividades de exportação, sem qualquer tipo de apoio institucional ou oficial pelas autoridades Portuguesas que não souberam entender o potencial que estavam a desperdiçar e em risco de perder.
Agora que se relança o investimento na ferrovia, pretende-se recuperar o tempo perdido. Lançam-se obras com prazos e budgets irrealistas que não ajudam o “acordar” de um sector enfraquecido onde nem mesmo os donos de obra possuem já os recursos em quantidade ou capacitação necessários para gerir todas as obras que a política obriga. A nós, industriais do sector, não nos falta a ambição, a vontade e o conhecimento. O Tempo, esse sim, é escasso.

Qual o papel e importância da I&D para a empresa na criação dos produtos e soluções inovadoras?

O I&D é uma área sensível para um grupo como a Thales que aí investe cerca de 1b€/ano.
A I&D é fundamental para assegurar um fluxo contínuo de ideias e novos produtos que mantenham o Grupo na liderança tecnológica e permitam empurrar as tendências tecnológicas e de mercado.
A Thales Portugal possui um núcleo de I&D que se dedica a temas como o seguimento de passageiros e a Mobilidade. Tem como principais parceiros o IST e a ANA/Vinci entre outros e foi com a ANA/Vinci que num projecto conjunto ganhou já um prémio de inovação do Grup o Vinci.
Em Portugal as actividades de I&D têm como objectivo encontrar soluções prácticas para problemas reais, utilizando tecnologias existentes de modo a criar novos produtos, tendo já um produto em fase de comercialização.

De que forma a formação especializada “enriquece” o capital humano da empresa?

Referimos anteriormente que o Tempo é o grande desafio. Tempo para a concepção dos projectos, tempo para a sua validação antes de avançar para o terreno, tempo para o desenvolvimento e teste adequado do Software que gere as redes ferroviárias, todas estas tarefas em que a compressão do tempo não existe simplesmente pela multiplicação
de recursos. Adicionalmente, o tempo para a preparação e formação dos recursos são um factor crítico de sucesso.
Todas as áreas de segurança intrínseca exigem formação adequada e gradual.
Nesta medida, de novo, o Tempo é fundamental para a formação dos recursos necessários às actividades de  Sinalização e Telecomunicações e estes recursos são fundamentais para a implementação dos projectos em curso.
Por outro lado, depois de formados, os recursos têm que ser mantidos e acarinhados.
Com os budgets irrealistas impostos nos actuais concursos e no esforço que está a ser pedido à indústria, já o afirmámos inúmeras vezes junto das autoridades, não é possível manter muitos dos recursos de alto nível tal é a oferta e o chamamento do exterior. Vivemos um ciclo dificilmente sustentável.

Quais os projetos em que a Thales está envolvida com intuito de desenvolver novos sistemas tecnológicos e em que áreas se aplicam?

Os grandes desafios que se colocam hoje à Thales no domínio das tecnologias para o sector ferroviário são sem dúvida o designado Comboio Autónomo (diferente do conceito de sistema driverless, hoje já uma realidade nos metros) com a transferência de muita decisão e inteligência do lado da infraestrutura para o próprio comboio.
Um segundo desafio trata-se da evolução dos actuais sistemas interoperáveis para sistemas mais simples, train-centric e com maiores níveis de libertação da via de equipamento e por fim o desafio da evolução dos sistemas rádio com a convergência numa solução ou estratégia rádio future-proof que substitua o GSM-R.